segunda-feira, 21 de julho de 2008

A MISSIOLOGIA APOCALÍPTICA DA CARTA AOS ROMANOS: COM ÊNFASE EM 15.14-21 E 9-11


DR. TIMÓTEO CARRIKER PhD

Paulo escreveu a sua carta à igreja romana durante a sexta década do século I, no final de uma estadia prolongada em Corinto, uns mil quilômetros a leste de Roma. Na mais longa(1) das cartas paulinas existentes, tomamos conhecimento do evangelho segundo o apóstolo e ficamos sabendo um pouco sobre sua situação missionária específica. Essa situação é a preocupação deste estudo e para ela volvemos nossa atenção.

I. OCASIÃO

O contexto da Carta aos Romanos vai além da composição da igreja de Roma e dos seus conflitos internos. Também se relaciona com a viagem antecipada de Paulo para Jerusalém (15.26), e assim a carta resume as convicções teológicas que o apóstolo adquiriu durante o período que começou em 1 Coríntios e Filipenses 3 acerca da sua evangelização de judeus e gentios e da misericórdia e plano histórico-salvífico de Deus para ambos.(2) Tal resumo, a fim de ser convincente para uma audiência com a qual Paulo não teve contato prévio, e também devido ao seu conteúdo específico, exigiu uma interpretação cuidadosamente elaborada das Escrituras. Conseqüentemente, a natureza ocasional de Romanos a diferencia das outras cartas paulinas por causa dos seus múltiplos referenciais. Sugiro cinco deles, sendo que quatro são geográficos e um hermenêutico.

A. Quatro Referenciais Geográficos

Todos os referenciais geográficos são mencionadas pelo próprio apóstolo na sua carta. O primeiro se refere à sua preocupação legítima pelos cristãos de Roma (1.13-15; e capítulos 12-14,16). O segundo refere-se à sua viagem antecipada para Jerusalém (15.25-27), o terceiro às suas reflexões a respeito do seu ministério anterior desde Jerusalém até o Ilírico (15.15-21) e o quarto aos seus planos para ministério posterior na Espanha (15.22-24, 28-29).

1. Roma

O fato de que Paulo dirige a carta aos cristãos de Roma (1.7-15) não é questão de debate. Sua preocupação com algumas questões específicas entre eles também se auto-evidencia (capítulos 12–15). Mas o peso e a relação dessa preocupação contextual com a carta inteira é assunto bastante debatido. Qualquer que fosse a situação histórica das congregações romanas, o seu tratamento logo é ofuscado pela "conversa" de Paulo com as Escrituras. Mesmo assim, as questões congregacionais abordadas nessa carta não estão dissociadas da preocupação mais ampla do apóstolo, como pretendemos ilustrar.
Em anos recentes, os estudiosos de Romanos têm focalizado a sua atenção nas tensões existentes entre os judeus e os gentios nas congregações romanas. Essas tensões surgiram logo após o retorno dos judeus para Roma, depois do exílio decretado pelo imperador Cláudio.

Embora a história exata do judaísmo romano ainda não esteja clara, três das suas características importantes para nossa discussão podem ser destacadas. Primeiro, uma grande proporção desses judeus era composta de cidadãos romanos, que ao mesmo tempo estavam "mais próximos da terra materna ortodoxa" que os judeus alexandrinos" (3) Segundo, esses judeus realizaram uma obra missionária bem-sucedida entre os cidadãos gentílicos.(4) Essas duas características exigiram uma terceira: um alto nível de organização.(5) Como os primeiros cristãos de Roma eram também judeus e assim cultuavam em sinagogas romanas, é provável que eles tenham possuído essas mesmas características gerais.(6 )


Há uma lacuna no nosso conhecimento da comunidade cristã romana, no período entre a expulsão dos judeus em 49 AD(7) e a carta que Paulo escreveu à comunidade em 57 AD.(8) Algumas mudanças, entretanto, são evidentes. Paulo escreve para uma comunidade cristã predominantemente gentílica (1.5s, 13s; 11.13s).(9) É uma comunidade grande e ativa, com boa reputação no mundo cristão mediterrâneo (1.8; 15.14). Muitos membros provavelmente eram atraídos de dentro das sinagogas, fruto da obra missionária judia.

As hipóteses reconstruídas da nova situação podem ser sintetizadas assim: depois da expulsão dos cristãos judaicos, os cristão gentílicos não podiam mais reunir-se nas sinagogas, mas somente em casas particulares. A observância restrita da Lei judaica rapidamente foi dispensada por esses cristãos gentílicos. O retorno subseqüente dos cristãos judaicos em 54 AD, com a sua observância segundo a Torá de rituais etnicamente orientados, criou tensão com os cristãos gentílicos agora mais independentes.(10)

É em vista dessa situação que se entende a discussão de Romanos 14–15 acerca dos cristãos "fracos" (predominantemente judeus) e os cristãos "fortes" (predominantemente gentios).(11) Esses grupos distintos devem aprender a conviver (15.7s).(12) Os cristãos judaicos não devem insistir em reivindicações baseadas na etnia (cap. 9), mas na finalidade de Cristo em todas as coisas, inclusive na Lei (cap.10). E os cristãos gentílicos devem humildemente reconhecer a sua dívida para com Israel e crescer no seu apreço (cap.11).(13)

Diante dessa situação reconstruída, o que pode ser afirmado do conteúdo da carta é a intenção do apóstolo de visitar logo os cristãos romanos. Em ocasiões anteriores, isto não havia sido possível (quando Cláudio promulgou seu edito de expulsão), mas agora — quando Nero estava no trono imperial numa anunciada era dourada —, no início de 57 AD, a oportunidade havia chegado. A relação entre essa pretendida visita a Roma e o conteúdo da carta ainda permanece uma questão debatida. Nós esboçamos a sugestão acima. Mais duas sugestões aparecem a seguir: a viagem que Paulo esperava fazer para Jerusalém, e sua viagem também esperada para a Espanha.(14)


2. Jerusalém

Antes da sua visita a Roma, Paulo precisa ir primeiro a Jerusalém para entregar uma oferta proveniente da Macedônia e da Acaia como um fundo de assistência para a igreja-mãe (15.25s). Essa oferta foi objeto da sua preocupação durante um bom tempo (1 Co16.1-4; 2 Co 8.1-9.15). E essa é a razão porque Paulo não poderia visitar imediatamente os cristãos de Roma.

Por um lado, Paulo não convida explicitamente os cristãos romanos a contribuírem para a oferta que fora levantada pelas igrejas que ele mesmo havia plantado. Mas também não menciona a oferta inocentemente, de passagem, como a razão da sua demora. Ao invés disso, ele expõe a base teológica da oferta, que explica como "um prazer e um dever dos cristãos gentílicos" pela sua participação das bênçãos dos cristãos judaicos (15.27).

O forte eco da dívida espiritual dos gentios em relação a Israel, exposta no capítulo 11, ressoa com força na explicação que Paulo faz da oferta. No capítulo 11, Paulo está claramente dirigindo-se aos cristãos gentílicos (11.13). Portanto, o seu claro eco no capítulo 15 é uma indicação de que Paulo pretende, de alguma maneira, incluir os cristãos gentílicos romanos no seu plano de entregar a oferta à igreja de Jerusalém.

A fim de avaliar as palavras de Paulo nesse contexto, é preciso discutir sua perspectiva da importância de Jerusalém e da igreja de Jerusalém. A discussão é complexa e envolve o entendimento específico que Paulo tem do evangelho, especialmente no que se refere ao lugar da lei, que causou conflitos com os líderes da igreja de Jerusalém e, em alguns casos, levou algumas pessoas a questionarem sua legitimidade apostólica. Resumimos brevemente essa questão aqui.

a. Paulo e a Igreja de Jerusalém

A relação de Paulo com a igreja de Jerusalém era caracterizada tanto por independência quanto por dependência. Das suas cartas aos Gálatas e aos Coríntios, depreende-se que ele queria manter a independência das suas igrejas. Ao mesmo tempo e nessas mesmas cartas, Paulo reconhece que essas igrejas eram dependentes da igreja de Jerusalém, inclusive por terem recebido dela o próprio evangelho (Gl 2.2-10; 1 Co15.3-11). O próprio Paulo fez questão de manter contato com a igreja de Jerusalém (15)

Esta ambivalência em relação à igreja de Jerusalém e aos seus líderes foi conseqüência do encontro apocalíptico de Paulo com Jesus e da transformação de orientação escatológica que se seguiu. Por um lado, Paulo, pelas suas próprias palavras, via Jerusalém como o lugar que marcou o clímax da salvação de Deus (Ro11.26s, citando Is 59.20s; ver Sl 14.7; 53.6). Através do seu encontro apocalíptico com o Cristo ressucitado e do seu reconhecimento de Jesus como o Messias, Paulo passou a ver a igreja de Jerusalém como uma prova principal de que tal salvação, de fato, começara.(16) A primazia de Jerusalém no cristianismo antigo para a expansão do evangelho é confirmada por Lucas ( 24.47; Atos 1.8).(17) F. F. Bruce, citando Henry Chadwick, repara que pelo menos até 60 AD "a cristandade tem um centro geográfico e esse é Jerusalém. Os cristãos gentílicos podiam estar livres do judaísmo; mas ainda eram devedores a Sião."(18)

b. Paulo e a Lei

Por outro lado, o encontro apocalíptico de Paulo com Jesus, também pelas suas próprias palavras, estava inseparavelmente ligado ao seu chamado como apóstolo entre os gentios. As implicações desse chamado para a lei(19) e a relação do evangelho com a lei, cuja tensão já havia se evidenciado no ministério de Jesus (Mc 7.1-23; Mt 15.1-20), foram cada vez mais refinadas durante seus primeiros anos missionários na igreja de Antioquia. Antes zeloso pela lei, Paulo sofreu uma reversão teológica radical a partir do seu encontro com o Cristo crucificado que Deus obviamente vindicara (havia ressuscitado).

"Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar, porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro; para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos, pela fé, o Espírito prometido" (Gl 3.13-14, citando Dt 21.23).

Paulo concluíra, então, que os gentios não eram incluídos na aliança pela lei e que a própria lei havia sofrido transformações a partir da vindicação de Jesus por Deus que ocorrera apesar da lei. Foi essa perspectiva de Paulo sobre a não observância gentílica da lei(20) a principal fonte da sua tensão com alguns dos líderes da igreja de Jerusalém. E era essa tensão, junto com o reconhecimento por Paulo da importância de Jerusalém, que constituía a ambivalência da sua atitude em relação à igreja de Jerusalém.(21) Tipicamente como os apocalipticistas, Paulo estava redefinindo o povo de Deus e conseqüentemente modificando a doutrina judaica da eleição pela inclusão dos gentios como gentios.(22)

Com esse pano de fundo, voltamos a nossa atenção para os planos de Paulo em Rm 15.22-29 de entregar a oferta à igreja de Jerusalém. Antecipando a sua viagem para Jerusalém, Paulo procurava o apoio das igrejas romanas para legitimar em Jerusalém a sua missão livre-da-lei aos gentios como fundamental para o evangelho. Foi esse o ponto de vista que adquiriu durante o período que começou em 1 Coríntios e Filipenses 3 e alcançou seu clímax na carta aos Gálatas, que havia escrito logo antes. Assim ele buscava o apoio prestigioso dos cristãos romanos para a defesa posterior do seu evangelho na igreja de Jerusalém e esperava evitar em Roma o que acontecera em Antioquia.

3. "Desde Jerusalém ... até ao Ilírico"

A alusão em Romanos 15.22-29 de que o ministério mais amplo de Paulo está em vista, encontra apoio na sua referência ao resumo desse ministério em Romanos 15.14-21: "desde Jerusalém e circulando até o Ilírico" ( avpo VIerousalhm kai kuklw mecri tou VIllurikou). A passagem receberá análise maior abaixo. Basta reparar, por enquanto, a ênfase que Paulo dá aqui à orientação divina em todo o seu ministério.
"Tenho, pois, motivo de gloriar-me em Cristo Jesus nas coisas concernentes a Deus. Porque não ousarei discorrer sobre coisa alguma, senão sobre aquelas que Cristo fez por meu intermédio, para conduzir os gentios à obediência, por palavra e por obras, por força de sinais e prodígios, pelo poder do Espírito Santo..."(15.17-19).

Claramente Paulo está preocupado com a legitimação do seu ministério anterior. Essa legitimação também se evidencia quando Paulo estabelece como princípio apostólico chave nunca invadir o ministério dos outros (15.20-21). Ao contrário de todas as outras cartas, a natureza ocasional de Romanos inclui, numa visão mais ampla, todo o ministério de Paulo. De fato, como exporei mais adiante, Paulo está aqui refletindo consciente e deliberadamente sobre o seu papel como missionário aos gentios enquanto pondera as implicações desse fato para o futuro e a salvação de Israel.

4. Espanha

Tão explicitamente quanto Paulo identifica Jerusalém como o seu destino anterior à visita a Roma, ele identifica a Espanha como o seu destino posterior (15.24,28). Entretanto, pouco se diz a respeito da relação entre a sua viagem pretendida à Espanha e o conteúdo geral da carta. O que pode ser estabelecido com relativa facilidade é a intenção especialmente missionária de Paulo.

"Mas, agora, não tendo já campo de atividade nestas regiões e desejando há muito visitar-vos, penso em fazê-lo quando em viagem para a Espanha, pois espero que, de passagem, estarei convosco e que para lá seja por vós encaminhado, depois de haver primeiro desfrutado um pouco a vossa companhia" (15.23-24, 28b). (Minha ênfase)

A expressão umaj kai ufV umwn propemfqhnai ("ser encaminhado por vocês," v. 24) era praticamente um termo técnico nos círculos cristãos missionários, que se referia ao apoio moral e provavelmente também financeiro necessário para a proclamação do evangelho.23 Paulo, então, está pedindo o apoio dos cristãos romanos para a viagem missionária que pretendia fazer até à Espanha. Assim como Jerusalém, também a Espanha não era nenhuma preocupação periférica quando escreveu a sua carta aos romanos.

Mas qual é a natureza do apoio dos cristãos romanos que o apóstolo procura e qual é a relação desse apoio com o restante da carta? Robert Jewett recentemente sugeriu que Paulo estava solicitando apoio financeiro e possivelmente treinamento lingüístico para sua missão espanhola.(24) Ele reconhece especialmente Febe, não apenas como portadora da carta romana, mas também como uma patrocinadora de seu ministério, que o representaria em Roma a fim de arrecadar sustento para sua missão na Espanha. É uma hipótese interessante. Em primeiro lugar, sustém a importância do papel de Febe como a portadora da carta, bem como o seu status eclesiástico,(25) social(26) e econômico(27) de prestígio diante dos cristãos romanos. Assim, Paulo demonstra alta estima por Febe bem como por outras mulheres, especialmente pelo seu denodado esforço (por ex., Maria, Trifena e Trifosa, e Pérside — todas caracterizadas por sua operosidade(28)) e a sua função apostólico-missionária (por ex., Priscila e Júnia(29)). Segundo, é uma explicação melhor do motivo por que Paulo iria visitar em primeiro lugar um centro cristão que ele mesmo não havia fundado, antes de proceder para a Espanha, quando na mesma carta ele afirma que não era a sua política construir em cima do fundamento dos outros (15.20).

Que lugar melhor que Roma para uma missão a uma colônia latina?(30) Terceiro, fornece um tópico apropriado do assunto (16.2) que Febe iria tratar com os romanos na sua visita, a saber, o pedido de sustento financeiro a eles, tomando como exemplo o que ela mesma estava fazendo. E finalmente, porém mais cautelosamente, a sugestão nos proporciona um motivo para a longa lista de nomes em Romanos 16.3-15, como um rol sugestivo e potencial dos sustentadores da campanha espanhola de Paulo.(31) A hipótese de Jewett constitui um avanço significativo na nossa compreensão de mais uma possível ocasião desta carta e deveria ser explorada rigorosamente.

Entretanto, é importante ressaltar a observação feita anteriormente de que a carta, de fato, não elabora essas ocasiões. Trata-se das nossas melhores reconstruções históricas e não de fatos históricos explícitos. É seguro concluir que Paulo encoraja algum tipo de cooperação por parte dos cristãos romanos para a sua missão à Espanha. Jewett nos oferece uma boa hipótese a ser melhor investigada.

A cooperação incentivada pode ter incluído participação financeira e lingüística; e Febe parece ter tido um papel importante. Mesmo assim, a carta ainda se caracteriza por uma extensa elaboração teológica e é a teologia que melhor indica o contexto ou os contextos da carta, inclusive o apelo feito pelo apóstolo para que os cristãos romanos apóiem a sua missão espanhola. De fato, não é uma teologia abstrata e desconectada da situação missionária de Paulo. É uma teologia de missão. Krister Stendahl é um dos poucos biblistas que percebeu isso, quando iniciou um dos seus últimos livros com a seguinte afirmação:

"Romanos é a última declaração de Paulo acerca da sua teologia de missão. Não é um tratado teológico sobre a justificação pela fé... Quando falo de Romanos como a declaração, feita por Paulo, da sua teologia de missão, estou convencido de que a teologia paulina tem o seu centro norteador na percepção apostólica de Paulo sobre a sua missão aos gentios. Conseqüentemente, Romanos é central à nossa compreensão de Paulo, não por causa da sua doutrina da justificação, mas porque a doutrina da justificação está aqui no seu contexto original e autêntico: como um argumento a favor da posição dos gentios baseada no modelo de Abraão" (Romanos 4).(32)

Depois de cogitar os possíveis contextos geográficos dessa carta, a enorme ênfase dada por Paulo à defesa teológica do seu evangelho certamente indica um apelo por apoio teológico. Isto é, a não ser que a própria interpretação de Paulo sobre as implicações do evangelho para as práticas ritualísticas dos cristãos judaicos e gentílicos seja convincente para os cristãos romanos, um assunto imediatamente relevante para eles, não conseguirá o seu apoio prático para a sua missão espanhola. E é nisso que compreendemos a relação da sua tencionada viagem à Espanha com a sua tencionada viagem à Jerusalém, e também com a sua visita a Roma inserida no meio.

Em Romanos, Paulo de uma só vez procura esclarecer a sua interpretação do evangelho, revelada e ao mesmo tempo trabalhada missionariamente "na caminhada," durante o seu ministério anterior entre Jerusalém e o Ilírico, a fim de: 1) conseguir o apoio teológico dos cristãos romanos para o seu evangelho enquanto antecipa a sua visita à igreja de Jerusalém; 2) recrutar apoio prático (possivelmente lingüístico e financeiro) dos cristãos romanos para sua viagem missionária à Espanha; e 3) incentivar a unidade entre cristãos judaicos e cristãos gentílicos em Roma, e entre Paulo e a igreja de Jerusalém. Não era tarefa pequena! E com certeza exigia a exposição ampla e ao mesmo tempo sutil dos livros sagrados da Escritura.

B. Uma Referência Hermenêutica

O referencial hermenêutico diz respeito à justificação feita pelo apóstolo do seu(33) evangelho à luz de uma interpretação intensificada das Escrituras e tem implicações para cada um dos referenciais geográficos. O tema hermenêutico central da carta é "o evangelho, o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do gentio"(34) (1.16), enquanto que a chave hermenêutica central para abrir esse tema é "Cristo, o fim da lei para a justiça de todo aquele que crê" (10.4).

Paulo inicia a sua carta com a intenção expressa de expor o "evangelho de Deus," euvaggelion qeou (1.1), "prometido nas Escrituras Sagradas" de Israel, evn grafaij agiaij (1.2). Não é de surpreender, portanto, que nessa carta encontremos uma proporção incomumente densa de referências às Escrituras. Hays cita a tabulação de Dietrich-Alex Koch que registra 51 citações em Romanos entre as 89 de todas as cartas de Paulo.(35) De acordo com Hays, essas citações estão girando ao redor de um foco comum: o problema da justiça salvadora de Deus em relação a Israel... A voz insistente e repetida das Escrituras, dentro e por trás da carta de Paulo, põe em relevo de maneira inexorável um tema singular: o evangelho é o cumprimento e não a negação da palavra de Deus a Israel.(36)

II. EXEGESE

Paulo começa sua carta com o tema apocalíptico(37) da "justiça de Deus" (dikaiosunh qeou), que guia em grande parte os seus pensamentos:
"Pois, não tenho vergonha do evangelho: é o poder de Deus para a salvação de todos que crêem, primeiro o judeu, mas também o gentio. Porque nele a justiça de Deus é revelada (evn auvtw| avpokaluptetai) de fé em fé; como está escrito: "O justo viverá pela fé" (1.16-17). (Minha ênfase)

A leitura intertextual que Hays faz desses versículos estabelece claramente a estrutura temática da carta como um todo.(38) Seus comentários com certeza são reveladores. Por exemplo, o versículo 16 ecoa a linguagem do Salmo 97.2 LXX (98.2, Texto Massorético): "O Senhor fez manifesta a sua salvação; ele tem revelado a sua justiça na presença das nações."

Na sua carta, Paulo expande e interpreta o tema para referir-se à aplicação da justiça de Deus aos gentios através da morte e ressurreição de Cristo, a fim de confirmar as promessas de Deus a Israel (15.8-9a), da mesma forma que o versículo imediatamente após aquele que Paulo evoca em Romanos 1.16 afirma: "Ele lembrou-se da sua misericórdia para com Jacó e da sua veracidade (ver Romanos 3.7; 15.8) para com a casa de Israel. Todos os confins da terra viram a salvação do nosso Deus" (Sl 98.3). A salvação universal e futura de Deus que o salmista anuncia, é colocada por Paulo no tempo presente. Ecos semelhantes com o mesmo efeito ouvem-se em Isaías 51.4-5 e 52.10.

Em todos esses textos, Israel no exílio é consolado pela promessa da poderosa ação libertadora de Deus. Essa ação será a manifestação da justica de Deus (dikaiosyne‘), porque demonstrará, apesar de todas as aparências contrárias, a fidelidade de Deus para com o seu povo da aliança; a salvação constituirá uma vindicação do nome de Deus e do seu povo que confia nele através do sofrimento e do exílio.(39)
Essas referências veterotestamentárias, e os salmos de lamentação que se encontram por trás das mesmas, tentam fornecer uma resposta para a questão da teodicéia, especificamente a questão de como Deus pode abandonar Israel. Isso se assemelha em muito à preocupação que Paulo irá abordar mais adiante em sua carta (9.27-33; 11.26-27; 15.7-13,21).

Hays também traz à tona ecos do Antigo Testamento na asseveração de Paulo de que ele não está envergonhado do evangelho (LXX, Sl 43.10; 24.2; Is 28.16; 50.7-8). Esses ecos encontram o seu sentido original dentro do contexto do tema da justiça de Deus. "Paulo não está envergonhado em relação ao evangelho precisamente porque o evangelho é a vindicação escatológica de Deus para aqueles que nele confiam — e conseqüentemente da própria fidelidade de Deus."(40) De novo, é significativo que Paulo transforme a expectativa futura original da vindicação de Deus em algo já presente.

Hays também explica a citação feita pelo apóstolo de Habacuque 2.4 em Romanos 1.17 dentro do mesmo contexto da vindicação de Deus das suas promessas a Israel. A relevância do contexto original do profeta, ao invés dos interesses do debate teológico acerca da doutrina paulina da justificação pela fé, torna-se especialmente clara à luz da questão da teodicéia levantada pelos ecos do verso anterior. Habacuque 2.4 vem como resposta de Deus à queixa do profeta de que Deus tratou Israel de maneira injusta em relação às nações.(41)

A resposta de Deus para a questão da teodicéia é: "o justo viverá pela minha fé" (LXX, evk pistewj mou),(42) isto é, a justiça que aguardará a manifestação futura da justiça de Deus, que para Paulo novamente se manifestou agora no presente. À medida que Hays elabora ainda mais a sua análise da epístola, "a pergunta impulsionadora de Romanos não é ‘como posso achar um Deus misericordioso?,’ mas ‘como podemos confiar nesse Deus alegadamente misericordioso se ele abandona suas promessas a Israel?’"(43)
A. Romanos 15.14-21

Em Romanos 15.14-21, o apóstolo considera seus próprios planos missionários ligados ao seu entendimento do plano divino para a salvação dos judeus e dos gentios, como já foi elaborado nos capítulos 9-11.(44) Ao mesmo tempo, a passagem é ligada ao tema da carta expresso em 1.16: "Na verdade, eu não me envergonho do evangelho: ele é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, em primeiro lugar do judeu, mas também do grego." Esse elo temático é estabelecido em 15.18-19: "pois eu não ousaria falar de coisas que Cristo não tivesse realizado por meu intermédio para obter a obediência dos gentios, em palavra e ações, pela força de sinais e prodígios, na força do Espírito de Deus" (comparar também com o prefácio da epístola em 1.1-6, especialmente os vv. 4-5 e a conclusão em 16.25-27).

Entretanto, o contexto imediato da nossa passagem (Rm15.7-13) vai ainda além da introdução (1.2-18) para incluir todas as Escrituras hebraicas, através da referência ao louvor da fidelidade de Deus por suas promessas aos patriarcas (os judeus) para que os gentios glorificassem a Deus pelas suas misericórdias.(45)
"Paulo estabelece seu argumento na afirmação de que as suas igrejas, nas quais os gentios de fato se reúnem com os judeus na adoração a Deus, devem ser o cumprimento escatológico da visão bíblica.

Dessa maneira, então, a justiça de Deus que alcança os gentios, proclamada no evangelho de Paulo, realmente é "prometida de antemão através dos profetas nas Escrituras Sagradas" (Rm 1.2), e Paulo argumenta com êxito defendendo a justiça de Deus. É por isso que estas citações em particular são uma conclusão apropriada dentro da argumentação da carta".(46)

Paulo, então, em 15.14-33, vê como alvo do seu ministério, utilizando uma imagem sacrificial, trazer os gentios para Deus. Essa oferta dos gentios (h prosfora twn evqnwn verso 16) refere-se à sua obediência a Deus (u pakohn evqnwn, verso 18, comparar com 16.26) e ecoa Isaías 66.20, onde os filhos de Israel, de todas as nações, serão trazidos como oferta ao Senhor. A missão de Paulo como ministro (leitourgoj) de Cristo Jesus aos gentios envolve um serviço sacrificial às nações, um serviço que ainda estava no futuro de Paulo enquanto ele antecipava seu próximo passo para o ocidente (15.24). Nesse caso, as expressões, "a oferta dos gentios" (h prosfora. twn evqnwn, v.16) e "a obediência dos gentios" (u pakoh n evqnwn, v.18), devem ser vistas no pano de fundo da frase "a plenitude dos gentios" (to plhrwma twn evqnwn, 11.25).(47)

Por sua vez, a expressão "a plentitude dos gentios" deriva da tradição apocalíptica judaica em geral e de Isaías 66 em particular. O mesmo ocorre com a compreensão da "Espanha" como extremis terris, portanto, uma idéia corrente na época do apóstolo. Assim, é possível entender a sua planejada viagem para a Espanha como um prelúdio apocalíptico da vinda dos gentios a Deus, especificamente a Jerusalém. Dessa maneira, a plenitude dos gentios (lembrando que a Espanha é vista como o término escatológico da terra) será alcançada em cumprimento da profecia veterotestamentária e das expectativas populares judaicas. Expondo esta perspectiva, Roger Aus conclui:

"Paulo entendeu que esse texto de Isaías significava que missionários cristãos, principalmente ele próprio e os seus assistentes, representavam uma reversão(48) completa do pensamento judaico normal a respeito do fim dos tempos, para ganhar representantes de todas as nações gentílicas e trazê-los, os gentios, e não os judeus da diáspora, para Jerusalém como uma "oferta" ou "dádiva" para o Senhor Jesus, o Messias. Essa seria a "oferta dos gentios" que Paulo menciona em Romanos 15.16".(49)

É somente à medida que Paulo continua sua missão apostólica, que a "plenitude dos gentios" será realizada como prelúdio ao drama escatológico esboçado em Romanos 9–11. Mais que os outros apóstolos, o ministério de Paulo era um apocalipse (Gl 1.12,15) de Deus, um sinal do fim iminente. E. P. Sanders chega a dizer que "toda a obra de Paulo, evangelizando e recolhendo a oferta, tinha seu contexto na peregrinação dos gentios para o monte Sião nos últimos dias."(50)

Quando Paulo escreveu Romanos, ele estava numa encruzilhada do seu ministério. Já havia "completado" a proclamação do evangelho até o Mar Adriático e agora se aproxima de Roma como uma próxima base missionária em potencial, como foi Antioquia da Síria durante o seu ministério nas províncias da Acaia e da Ásia. O verso 19 não só esclarece a sua própria perspectiva a respeito do seu ministério anterior, mas também nos dá pistas a respeito da sua eventual estratégia. Por exemplo, normalmente seguimos a orientação dos cartógrafos das viagens missionárias de Paulo que, seguindo as pistas de Atos 13.1-3, identificam o seu ponto de partida como Antioquia da Síria. O resumo de Paulo em Romanos 15, entretanto, identifica Jerusalém como o seu ponto de partida, de modo geral. E de fato Lucas confirma que Paulo esteve em Jerusalém, em missão (diakonia, Atos 12.25, ver 9.26-30 e Gl 1.18), antes de prosseguir para Antioquia e para a sua "primeira viagem missionária." Depois de completar tal viagem (At 15.2; ver Gl 2.1-10), voltou a Jerusalém para esclarecer o procedimento da sua missão e para iniciar sua "segunda viagem missionária."

A "terceira viagem" também foi precedida por uma visita a Jerusalém (Atos 18.22) e depois dela foi a partir de Jerusalém que Paulo foi levado preso para Roma. Portanto, Lucas não contradiz o testemunho de Paulo de que seu ponto inicial era Jerusalém, e não Antioquia. Assim, entendemos o apóstolo dentro da sua criação judaica e da sua formação farisaica, que provavelmente via Jerusalém como o centro do mundo, onde ele mesmo havia estudado (At 5.34; 22.3), onde Jesus havia sido crucificado e ressurreto, onde a igreja primitiva havia sido fundada e para onde o Salvador retornará a fim de inaugurar a nova era (Rm 11.26s; ver Is 27.9; 59.20s). Assim, não estranhamos a centralidade de Jerusalém na estratégia missionária paulina.(51)

Nesse sentido, a coleta mencionada em Romanos 15.25-26 demonstra a importância de Jerusalém na conceituação paulina da inauguração da era vindoura. Assim como a salvação vem para "todo Israel" somente depois da salvação da "plenitude dos gentios" (Romanos 9–11), Paulo prepara não apenas uma oferta monetária, mas também uma oferta humana. Isso ele realiza de modo representativo,(52) através do acompanhamento de um número, doutra sorte excessivamente grande, de representantes gentílicos(53) na sua viagem para Jerusalém. A idéia, então, era provocar ciúmes em alguns dos judeus através da "plenitude" dos gentios.(54) Somente essa motivação explica adequadamente o grande risco que Paulo correu a fim de levar essas "ofertas" pessoalmente a Jerusalém, um risco que levou ao seu aprisionamento e provavelmente à sua morte.

Em Romanos 15.19, Paulo não só especifica o ponto de partida das suas viagens missionárias, mas também resume o conteúdo e estratégia da sua atividade quando diz: "tenho completado o evangelho" (peplhrwkenai to euvaggelion). Não há outras ocorrências dessa expressão nas epístolas de Paulo, embora uma expressão semelhante, "completar em vocês a palavra de Deus" (eivj umaj plhrwsai to n logon tou qeou) apareça em Colossenses 1.25-27.

A menção das "nações" nessa passagem aumenta ainda mais a sua utilidade para a compreensão de Romanos 15.19.
A expressão pode ter vários significados. Certamente, Paulo não está se referindo a algo que ele fez com o evangelho ou a "palavra." Deus o havia dado plenamente. Paulo teria que proclamá-lo. Também o termo provavelmente não se refere ao conteúdo da pregação de Paulo, se bem que poderia qualificar a interpretação de Paulo das implicações do evangelho para a inclusão dos gentios sem se sujeitarem às exigências da lei. Afinal, isto está no pano de fundo de quase todas as cartas de Paulo. Mas em Romanos 15.19 é melhor entender a expressão "tenho completado o evangelho" como uma referência geográfica. Pois a sua elaboração no próximo versículo desenvolve a linha de pensamento dessa maneira e essa interpretação se enquadra no contexto temático do termo "evangelho" nas origens missionárias da fé, como fica evidenciado em 1 Tessalonicenses 1.2-2.16; 3.2.(55)

Isso não quer dizer que apenas Paulo fazia toda a pregação. O verso 20 não permite tal conclusão. Ao invés disto, onde outros não haviam pregado o evangelho nesta ou naquela região, Paulo fazia questão de pregá-lo, e dessa forma ele "completava" ou "terminava" a atividade inicial da pregação naquelas províncias da Grécia, da Ásia Menor, da Síria e da Palestina, onde Cristo não havia sido previamente pregado. Isso não significa que cada local ou até mesmo cada indivíduo precisava ser atingido, mas apenas que o evangelho era pregado e frutificava dentro das principais províncias daquelas regiões. Portanto, ao "completar" o evangelho, Paulo não estava criticando a pregação dos outros como sendo incompleta. Como ele reconhece e elogia o ministério dos cristãos romanos (Rm 15.14), em outras ocasiões também reconhece e elogia o ministério evangelístico de outros (ver 1 Ts 1.8). Por isso mesmo, ele podia dar prioridade às regiões que considerava ainda possuidoras de lacunas.

Mais uma pista sobre a extensão e o procedimento das viagens missionárias de Paulo encontra-se em Romanos 15.19. Se Jerusalém é seu ponto de referência, a Espanha pelo menos um alvo eventual, e o preenchimento de lacunas regionais o seu procedimento, então o uso da expressão adverbial kuklw pode fornecer pistas sobre os seus planos ainda depois da Espanha, o que ele nunca chega a explicitar. No Novo Testamento, o termo normalmente significa "círculo" e se liga não a VIerousalhm ("desde Jerusalém e circunvizinhanças"), mas a VIllurikon ("circulando até o Ilírico").(56)
John Knox sugere que kuklw alude a uma ou várias viagens de ida-e-volta entre Jerusalém e o Ilírico. A idéia recebe apoio do manuscrito ocidental do texto que coloca kai kuklw depois de VIllurikon.

Então, o apóstolo talvez esteja pensando em todo o seu empreendimento evangelístico como algo que se passa dentro do círculo das nações mediterrâneas.(57) Até esse momento, Paulo havia "preenchido" as lacunas daquelas regiões onde Cristo não fora anteriormente pregado e assim "completado" a pregação num percurso mediterrâneo circular de aproximadamente 90 graus. Agora ele contempla os próximos 90 graus até a Espanha. É possível, portanto, que o uso por Paulo de kuklw reflita os seus planos futuros de continuar o círculo para as nações do Mar Mediterrâneo até alcançar eventualmente Jerusalém no retorno, o alvo apocalíptico das suas jornadas missionárias circulares cada vez mais abrangentes.

Nossas observações anteriores sobre a importância de Jerusalém para Paulo como a fase final da parousia apocalíptica de Cristo apoia essa interpretação de kuklw. Essa interpretação também ajuda a esclarecer tanto a referência anterior a Jerusalém como o ponto de partida necessário para as atividades missionárias de Paulo (v. 19), quanto a referência mais adiante a Jerusalém como o alvo imediato dos seus planos de viagem. Essa última referência não é casual, mas demonstra o papel da "plenitude" dos gentios em provocar alguns dos judeus à salvação através de ciúmes. Conseqüentemente a ligação entre Romanos 15.14-21 e Romanos 9–11 é crucial.

C. Romanos 9–11

Nestes capítulos Paulo aborda a questão crescente da vindicação divina de Israel, uma questão que emerge como conseqüência lógica do argumento de Paulo nos capítulos anteriores de que as bênçãos da aliança de Deus agora estão graciosamente disponíveis aos gentios.(58) Romanos 9–11 é o clímax desse argumento teológico e também serve para focalizar a preocupação pastoral de Paulo nos capítulos posteriores pela unidade das congregações romanas, divididas entre cristãos gentílicos e cristãos judaicos.

Em Cristo Jesus, Deus demonstra a sua justiça e cumpre as suas promessas de ser uma bênção para Israel e, através de Israel, abençoar todas as nações. Como essas promessas são cumpridas histórica e teologicamente — começando com Abraão e continuando através dos profetas — é o tema de Romanos 9–11.

1. Resumo

Em síntese, o argumento se desdobra assim: Romanos 9.1-5 estabelece o palco de todo o argumento dos capítulos 9–11, ainda que em ordem um pouco diferente (ver a tabela a seguir).
Comparação Temática de Romanos 9.1- 5 com Romanos 9.6–11.36
9.1-3 A descrença de Israel e a fidelidade de Deus 11.1-32
9.4-5a A verdadeira identidade de Israel 9.6-29
9.5b Jesus Cristo, a chave hermenêutica 9.6-10.21
9.5c Doxologia 11.33-36

Primeiramente, a dor que Paulo expressa em 9.1-3 antecipa a pergunta sugerida no final (e no clímax) da capítulo 8. O clímax é que nada poderá nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus nosso Senhor. A pergunta que esse clímax levanta pode ser parafraseada da seguinte maneira: "E o povo da aliança do próprio Deus? Se as bênçãos de Deus elaboradas nos capítulos 1-8 estão agora livremente disponíveis aos gentios, não são mais ‘a adoção, a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas’ ( 9.4)(59) possessão, por direito, de Israel?" Mas é somente depois de ser provocada mais uma vez em 10.18-21 que a pergunta será feita claramente em 11.1: "Pergunto então, Deus rejeitou o seu povo?"(60)

A resposta desta pergunta é o enfoque de 11.1-32 e se explica através da referência ao princípio do remanescente. Um remanescente crente e fiel de judeus está sendo salvo e isto representa o cumprimento das promessas de Deus; por essa razão, Deus está vindicado de todas as acusações de infidelidade dentro da interpretação paulina do evangelho.(61)

Em segundo lugar, a lista de privilégios de 9.4 levanta mais uma pergunta: "Exatamente quem é o Israel de Deus?" Esta é uma pergunta sectária natural e comum na literatura apocalíptica. A pergunta é respondida inicialmente através de um panorama histórico em 9.6-29 que trata da fidelidade que a aliança exige, e finalmente através de uma exposição sobre o meio pelo qual Deus justifica em 9.30-33, este meio sendo a pedra de Sião, que assegura a vindicação divina. A eleição não é questão de descendência física e Deus não é inconsistente quando elege os filhos espirituais de Abraão, inclusive os gentios (9.24).(62)

Em terceiro lugar, o maior privilégio judeu em 9.5, o surgimento do Messias ("sobre todos"), que é a chave para a questão da justiça de Deus ("Deus bendito para todo o sempre"), torna-se o tema da afirmação central de 9.30-10.21 em 10.3s, que, por sua vez, não deixa dúvida a respeito da identidade última da pedra de Sião, (63) mencionada poucos versículos antes.(64) Portanto, a justiça de alguém (tanto judeu quanto gentio,(65) 10.4, 12s) vem somente através de fé em Jesus Cristo (10.5-8, como foi o caso ao longo dos capítulos 1-8), especificamente através da crença na sua morte e ressurreição (10.9-13), o alvo da lei ou o clímax da aliança,(66) que, então, exige a devida notificação (10.14-17).

Finalmente, a bênção de 9.5b em referência ao Messias em 9.5a, "Deus bendito para todo o sempre, Amém," é expandida na doxologia elaborada de 11.33-36, também precedida de uma referência ao "Libertador de Sião" (11.26). Este é, portanto, o formato básico de Romanos 9–11 que 9.1-5 já antecipa.

Dr. Timóteo Carriker PhD

Seminário Teológico do Sul

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